O Samba de Dentro Perfazendo uma linha de entrelaçamentos de imagens que não possui começo nem fim, Deixa Falar de Rogério Reis revela o fio através do qual são amarrados sonhos, desejos, fantasias e realidade. Delineando um percurso interior que parece infinito, nessas fotografias o mundo de dentro se externaliza, se materializa e se apresenta à luz do dia apesar de sua aparente impossibilidade de existência. Por mágica carnavalesca, por torsões do inapreensível, ou ainda pela simples invocação do rito ancestral, o que está dentro se externaliza. O que era apenas sonho, miragem, sombra, se corporifica em sonora plenitude e beleza da forma. Essas imagens são a prova da veracidade dessa magia, certificam que foi possível, um dia, a existência do impossível. Posar ritualisticamente para o fotógrafo é fazer eternizar, tornar perene o sonho, a névoa, a loucura sublime esfumaçada de se transformar em outro, ou em outra, ou em máquina, em monstro, em algo absolutamente estranho para o próprio ser daquele que vaga na materialidade do impossível, na solidão plena do existir. Deixa Falar reúne imagens de ensaio fotográfico feito ao longo de muitos anos. Se inicia nos idos do carnaval de 1986, quando Rogério Reis estende uma lona (que vai servir de fundo para suas imagens) em redutos urbanos do carnaval de rua carioca, onde o rito dionisíaco ainda soava espontâneo e verdadeiro. Com sua Hasselblad de negativo 6 x 6, passa a ver diante de si um desfile de personagens extraordinários que parecem nascidos das profundezas do inconsciente, vindos de outros mundos, épocas perdidas. Esse percurso perdura até 2003. Entretanto, mais de 20 anos depois, em 2025, Rogério volta a estender a lona e passa a recapturar novos personagens que, agora, outro momento configura. Surpreso, descobre que os sonhos e fantasias transformaram-se, os desejos se refizeram em outras máscaras. Mas percebe que a linha de amarração de sonho e realidade continua intacta a tecer materialidades sempre surpreendentes. Redescobre que essa linha não tem fim, assim como não teve começo. Ela apenas segue, carregando o humano e o tempo juntos, amarrados um ao outro. Na nova série Samba no Pé, onde espumas se dissipam em direção ao infinito, aparecem imagens que são como metáforas dos sonhos que se fazem e se desfazem diante dos nossos olhos, em marcas deixadas pelos que vivem e desaparecem carregados pelo esquecimento. Novas e velhas imagens juntas, como uma ode à aparente irrealidade do real, perfazem uma linha íntegra que nos amarra a todos no impalpável mas irredutível tempo, o nosso tempo, presente. Evandro Salles curador