























A fotografia, entendida simultaneamente como informação e expressão é elemento constitutivo da identidade de uma nação e fonte de auto conhecimento de um povo. A fotografia brasileira – importantíssima neste papel, ao lado da música popular e da literatura – tem sido de enorme valor para um país tão diverso quanto vasto. Há picos elevadíssimos na cordilheira da representação visual de nosso povo-território: Assim Walter Firmo traduziu em poesia visual a negritude, Miguel Rio Branco deu cores trágicas à miséria, Marc Ferrez e Cristiano Júnior apontaram suas câmeras para a vergonha da escravidão, Maureen Bisilliat extraiu e exibiu a imensa riqueza visual da arte dos povos originários na série Xingu, Mariozinho Cravo criou sobre fundo neutro um retrato íntimo do imaginário escultórico soteropolitano e George Love inventou, dos céus, uma Amazônia que não conhecíamos e foi visualmente inaugurada por ele. É neste nível de importância que situo o Sertão de Antônio Augusto Fontes. Com suas imagens do ensaio também chamado por Claudio Bojunga de O Sertão do Sertão, Antônio Augusto cravou arquétipos líricos no imaginário brasileiro sobre este terreno esquecido, seco e misterioso que Guimarães Rosa e Graciliano vocalizaram. Antônio Augusto é mais do que um fotógrafo. Como pensador e Mestre de uma geração, podemos, talvez exageradamente e sem sua concordância, dar-lhe o título de filósofo da imagem. Sua fotografia que foi emprestada por décadas ao fotojornalismo, gosta mesmo do terreno livre da viagem visual de seu olhar único, e sua mente absolutamente particular. Por trás da “realidade” aparente e singela de suas imagens existe um percurso profundo e complexo que transita entre seu inconsciente, sua visão de mundo, sua concepção da arte e da artesania fotográficas, seus afetos, e o efeito muitas vezes desconcertante provocado nas retinas, corações e mentes de seu público. Já escrevi sobre isto nos anos 90: Antônio Augusto talvez não tenha consciência do trabalho que está realizando... passeia pelo afazer do fotógrafo com compromisso total – mas sem perder a leveza capaz do humor, reunindo imagens para seu Museu de Tudo. Esta exposição nos dá uma oportunidade ainda que seletiva, de contemplar o universo estético de um fotógrafo cuja dimensão e influências não foram ainda devidamente apreciadas e reconhecidas. Foi aqui da Gávea que um outro brasileiro - o Chico - nos ajudou musicalmente a entender melhor a Alma Brasilis. Agora, com a Galeria da Gávea fomos revirar arquivos e trazer à luz o alquimista de Santa Tereza retirando-o de um injusto e indesejado exílio para a luminosidade clara e preciosa dos raios da prata, com a qual ele estampou um insólito país e um povo de natureza improvável. Que se dê a este olhar profundo, inquiridor, ingênuo na melhor acepção da palavra, muitas vezes duro como o versejar de João Cabral, um lugar de honra na história do olhar. Porque toda embarcação e o mais exímio navegante sempre dependeram do olhar atento e vigilante dos que sobem à gávea e tem a coragem de apontar seus olhos para o ainda não-visto. João Farkas